sexta-feira, 12 de junho de 2020

Pedras I

Sabe quando você conhece uma pessoa nova e vocês estão se apresentando? Aquele momento em que o outro cara fala sem parar, mas não porque fala demais, e sim porque gosta de falar (não conheço viado que não goste de falar) e você não quer interromper, porque não quer ser mal educado ou só quer ouvir e poderia fazer isso por horas até que.

Até que surge um pequeno e levemente pavoroso silêncio porque você se perdeu nos pensamentos enquanto ouvia o que ele tinha a dizer sobre ele mesmo. Você analisava o que ele estava dizendo e como estava dizendo e seu cérebro projetava a sinastria e você se encantava com o sorriso dele, o sotaque, a respiração, o corpo, as costas das mãos, a bunda, a mala, as pernas e as orelhas e aí.

E aí ele pede para você falar de você. Mas você tem pânico de falar de você, porque você nem sabe falar sobre você direito, isso não é algo que você faz com frequência, você acha esse tipo de situação sempre embaraçosa, você não está acostumado a isso, ninguém nunca pede que você fale de você (ainda bem) e aí surgem dúvidas do tipo como começar ou por onde?, qual versão seria a melhor?, qual delas causaria mais impacto?, a mais boa impressão? A falta de jeito e a falta de prática alimentam a insegurança que cresce, porque este é um momento importante, determinante até, de frio na barriga, de segurar ou perder a atenção do seu interlocutor porque.

Porque aqui você se depara diante de uma bifurcação em que você tem que performar muito bem e o sucesso fará toda a diferença entre a permanência e o sumiço, entre uma história de amor com final de novela ou a amargura da solidão eterna ao qual você está condenado como o Sísifo que sempre que chega com a pedra no topo da montanha vê com desgosto a pedra rolar montanha abaixo e não há nada que se possa fazer para quebrar esse ciclo a não ser subir com a pedra no dia seguinte porque uma condenação desse tipo é como um ciclo que não se consegue quebrar e então.

E então por causa de tudo isso você diz que não sabe muito bem o que falar, que ele pode perguntar o que quer saber, porque só o fato de você estar ali já quer dizer que você está entregue e que pode se entregar muito mais, mas ele não sabe disso, porque você não disse daí.

Daí que depois de alguns dias ele some.

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