quarta-feira, 26 de julho de 2017

Crônica de um coração mediano

Reduzi drasticamente o consumo diário de chocolate.

É a crise financeira. São as crises de ansiedade.

No sábado eu fui no 3º Distúrbio Feminino, um evento feminista que reuniu quatro bandas entre elas a minha amada Dominatrix e a empolgante e também querida Charlotte Matou um Cara.

Eu queria escrever sobre como foi tudo inspirador e em como eu sonho em aprender a tocar, só por causa do tanto de ânimo que dá de respirar o mesmo ar que pessoas incríveis como estas mulheres corajosas.

São 20 anos do Girl Gathering, o primeiro CD do Dominatrix, e isso fez com que passasse um filme na minha cabeça. Do tanto de show que eu já vi desta banda nos mais diversos lugares e com as mais diversas formações.

São tipo 14 anos desde que a minha foi transformada por causa destas músicas. Lembro de um debate que rolou no Hangar em que a Elisa disse que era gay e em como aquilo deu forças para que eu também pudesse encarar a saída do armário.

Eu queria falar do quanto os solos de guitarra me fazem bem e do quanto eu também me sinto um solitário quando vou nestes eventos por que ninguém mais que eu conheço divide estes momentos comigo. Ao mesmo tempo eu já estou mais do que acostumado a ser o presidente do clube dos corações solitários.

Sempre sendo aquele cara por quem quase ninguém se interessa, com gostos estranhos, que foge de alguns comportamentos de manada, que chega atrasado nas piadas, que está por fora das tendências, que não articula bem, que foge das pessoas, que não fala bem em público, que não performa bem em grupo, que não faz nada muito bem, enfim.

Eu queria escrever um texto chamado “Crônica de um coração punk”, sobre como a crueza da vida me interessa. De como eu gosto dos lugares sujos e acho que só lavei o meu único tênis que presta uma única vez depois de andar com ele numa rua alagada e ele já está imundo de novo.

Eu falaria neste texto como a anestesia alienante do cotidiano faz com que as pessoas esqueçam e minimizem o “estupra, mas não mata” de Paulo Maluf – inclusive continuando a elegê-lo -, mas que uma banda punk formada por mulheres pega esta frase e nos devolve gritada, na cara, emulando a violência e o próprio choque que a frase original deveria causar.

Mas nesta minha existência ocupando o não-lugar de uma vida altamente desinteressante o que dá mesmo é pra escrever no máximo uma crônica de um coração mediano e seguir o baile. E vida que segue.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Sobre tantas coisas que eu já nem sei bem o quê

Levantei com uma fome do tamanho do mundo e até demorei um pouco mais para tomar o café da manhã.

Ontem eu terminei de ler “Toureando o Diabo” e... que tiro senhoras e senhores!

Foi tão um negócio da vida, porque tem aquela história da varinha escolher o bruxo. No caso, foi o livro que me escolheu. Pra ser lido agora, durante todos esses processos.


O bom de ler algo assim é que dá a sensação de que não é só com a gente.

Sem falar que serve de inspiração.

Tem coisa que acontece sem acontecer. Raíra disse que dá pra tatuar essa frase. E dá mesmo.

Hoje de manhã, com o apetite voraz, não tava dando. O abismo chegou chegando.

- E aí, vai pular?
- Não. Hoje eu estou a fim de voar.

Coloquei o leite na geladeira pensando nos meus dias. Não tenho escrito uma linha do romance, apesar de a cabeça estar fervilhando, pensando nele. E em tudo que eu poderia escrever aqui.

Mais uma vez, a escrita como tábua de salvação.

Mais uma vez, escrevendo para ninguém ler.

Tento.

Disfarçar a carência que me faz corar de vergonha.

Torcer para que haja algum bom humor nesta vida, para que eu não seja mal interpretado ou soe grosseiro ou desesperado.

Ser uma versão mais legal e melhorada de mim mesmo.

Esses últimos dias frios, tem sido assim. Difíceis de suportar, com altas doses de pessimismo e pequenas ondas de euforia por pequenas coisas boas, além dos grandes encontros com as amigas.

Hoje foi engraçado. Quase me apaixonei saindo da catraca do metrô. 2 segundos de paixão que se foi. Preciso melhorar essa marca. Ou não.

E também penso nas faltas. No e-mail não escrito e não enviado. Na carta aberta que talvez (não) devesse postar aqui.

Faltou um pedido de desculpas. Faltou uma explicação. Faltou me levar a sério. Porque estava lá. Escrito bem escritinho na mensagem. Porque se é importante rir de nós mesmos, também é importante saber levar as coisas a sério. Contexto. É importante. E saber ler nas entrelinhas. E isso eu chamaria de respeito e até de carinho quiçá. Migalhas de uma atenção que já não estava mais ali e que eu achei que estivesse. Faltou timing. Ah, como faltou. Tentativas de diálogos equivocadas. E faltou também objetividade.

Penso também nas minhas faltas. Que eu poderia até dizer que não faz mais falta. O que seria mentira até por tudo aqui escrito acima. A falta faz, mas a gente se acostuma. A grande questão é que já não faz mais diferença.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Frias amenidades

E esse frio, hein?

Só não é maior do que o fogo em mim.

Hoje eu consegui dormir melhor e mais rápido.

De alguma forma e por algum motivo consegui relaxar um pouco.

Acho que estava mais cansado do que estava de fato me sentindo.

Tentei acordar mais cedo e ser mais produtivo e chegar mais cedo. Mas me confundi na hora de arrumar o alarme. Tem show hoje. Do Salgadinho. Vai ser no vale dos heterossexuais, mas as companheiras de aventuras são amadas. Pagode dos anos 90. Crescemos ouvindo. Amamos.

Massa de ar polar faz nevar no Brasil.

Eu poderia até inserir uma piada aqui sobre coração de gelo e ser a Elsa do Frozen. Não que alguém fosse rir.

Hoje eu terminei o livro do Lázaro e comecei a ler “Toureando o Diabo”. É tiro atrás de tiro.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Mais um post sobre nada em particular

Uma das melhores coisas que eu fiz nos últimos tempos foi mudar o toque genérico do despertador para Radiohead. Agora eu acordo ao som de Idioteque. Dá um ânimo pra sair da cama e viver, mesmo que no geral da vida eu ande meio assim, querendo morrer.

Tinha tanta coisa que eu gostaria de conseguir escrever para postar aqui, que fico até perdido, por não encontrar a forma. Porque para cada assunto, uma digressão, uma reflexão, uma fugida deste cotidiano louco.

Esta noite, por exemplo, não dormi muito bem. Uma crise de ansiedade fortíssima levou horas de sono embora. E tudo isso, por nada, pra nada, por bem pouco. Não que eu esteja lidando mal com meus sentimentos devido a fome na África. E não que eu também não esteja preocupado com a fome na África, mas o relato de armas apontadas para pessoas queridas deu uma azedada no dia.

Incrível como escrever é o que salva a vida.

Para termos de registro, eu tenho avançado na escrita do livro.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Elegia

Acho que foi o Marcelino Freire em uma oficina de criação literaria que disse que se você quer fazer poesia pense no nome da sua avó.

Escreva com as suas palavras. O nome da sua vó é mais bonito do que se você tentar descrever as cores de um por do sol.

É verdade. Eu imediatamente pensei no nome das minhas avós. Maria Conceição e Justa. Quanta poesia.

Hoje a vó Justa se vai

A morte faz parte da vida e pra morrer, basta estar vivo. É sempre bom pensar na morte. A cada um, a sua hora. Não tem jeito. É preciso se conformar.

A minha vó era uma contadora de histórias. Vai ver por isso que eu sonho em ser escritor.

Vou me lembrar pra sempre das histórias da minha vó, que sempre, invetavelmente acabavam com uma bacia de doces que ela estava trazendo pra gente, mas que perdia ao escorregar na ladeira do quebra cu.

A minha vó não teve uma vida fácil. Criou e perdeu muitos filhos. Além da poesia de seu nome raro, a minha vó sempre carregou com ela uma fé e uma força que nem eu, mais novo e que cresci em um mundo com muito mais facilidades, tenho.

A minha vó viveu uma vida intensa. Com caracteristicas dos mais variados gêneros literários. De drama e melodrama com espaço também pra muita comédia.

A minha vó tem uma fé que eu nunca vou entender. Eu, que sou mais novo, penso sempre em desistir por muito menos.

A ironia de tudo é que boa parte da minha descrença tem a ver com as profundas desigualdades e injustiças desse mundão.

A minha vó era humana. Tinha defeitos e qualidades.

A vida muitas vezes foi dura com a minha avó, ensinando erroneamente que ela tinha que se curvar e servir, só por ter nascido mulher.

O livro preferido da minha vó era a bíblia, do qual eu só sei algumas passagens.

Hoje a minha vó parte.

Vá em paz, vó
Vá com deus, vó.

A vida pode não ser justa, mas a senhora é.

Viva!

sábado, 8 de julho de 2017

E se o Batman fosse gay?

Assisti, como milhares de outras pessoas, “Mulher-Maravilha”.

E incrível que né, é entretenimento e coisa e tal, mas saí da sessão com uma série de questões que tento desenvolver agora, pra ver se aquieta um pouco o turbilhão aqui de dentro.

São tantos os pensamentos e tantas coisas para falar que fica até difícil saber como começar. Então, eu começo pelo fim.

E também aviso para quem quiser ler que este texto contém spoiler.

O primeiro comentário negativo que eu vi sobre o longa  foi o do Marcelo Hessel, no Twitter, criticando a qualidade dos efeitos especiais. Saber disso me fez tremer só de lembrar de “Supergirl”, aquele filme ruim de 1984, muito responsabilizado pelo mito de que filme com heroína não dá certo.

E realmente. Os efeitos especiais na batalha final são de chorar de desgosto. Mas pelo menos, felizmente, o filme não se resume a isso.

Como um todo “Mulher-Maravilha” é muito legal. Inclusive quero rever e quero na minha coleção. O problema é que o diabo mora nos detalhes e acho que nesse sentido o filme peca em muitas coisas.

Pra começar: o amor romântico. Não precisava, mesmo, tentar usar isso pra “sustentar” o roteiro. O boy é bonitinho e tals - aliás, podia ter aparecido a neca -, mas ele ser a chave que libera a força da Mulher-Maravilha é completamente desnecessário.

Raíra apontou que Diana poderia se lembrar da tia, que levou um tiro por ela. Talvez isso não justificasse a defesa da humanidade, do “mundo dos homens”, mas pelo menos seria menos óbvio.

Muito me agrada a sequência de cenas em que ela chega a Londres. Da chegada até a luta na trincheira/povoado ela tem que lidar com uma sucessão de “não podes”. Não pode falar, não pode se vestir daquele jeito, não pode ir ajudar, não pode ir pra guerra, não pode, não pode, não pode.

Ainda assim, acho que faltou empoderar um pouquinho mais a secretária. Só por uma questão de representatividade, que importa sim e muito. Digo isso porque rola uma diversidade entre as Amazonas, mas ela é limitada. Há mulheres negras no filme, mas elas mal falam. E as amazonas são todas atléticas.

A Mulher-Maravilha é sexy lutando em câmera lenta com a bomba explodindo atrás, apesar de o filme não ficar expondo ela de maneira machista, focando em peito, coxa e bundas. Inclusive, o fato de ela ser treinada para ser melhor do que todas as outras Amazonas explicita em muito sua condição de mulher.

Porque ela é inteligente, forte, bonita, inclusive luta e não fica suada, nem despenteada. Acaba a luta e tá lá, princesa, impecável. Nem um pouco cagadinha. É bem a cobrança geral que rola sobre como as mulheres devem agir e se comportar. Ser mãe, profissional, acadêmica e se apresentar sempre impecável. Ser duas vezes melhor que um homem. Afinal, elas estão aqui para embelezar o mundo, não é mesmo?

Mas me alongo e fujo do que queria falar. A participação das mulheres no filme. Quando a Mulher-Maravilha sai de Themyscira o filme se concentra nela e nos rapazes. Assim, de imediato, não há mal nenhum nisso. Mas por se tratar do primeiro filme de herói protagonizado por uma mulher, well. Faltou um pouquinho de ousadia and feminismo aí.

Conheço nada de Mulher-Maravilha, a não ser pelo desenho da Liga da Justiça, aquele que passa(va?) no SBT e no Cartoon Network. De quadrinhos, ainda não tive o prazer de ler nenhum. Então, tá. Steve Trevor é um cara das HQs, mas pensa que seria legal a Mulher-Maravilha ter uma sidekick mulher, ao invés de um grupo de homens atuando no segundo plano.

Até porque – tá, o filme “registra” uma época – quando rola uma cena dos caras conversando, é bem um grupo de homens no whatsapp. “Uma ilha com mulheres como ela e nenhum cara por lá? Preciso conhecer esse lugar!”.

E isso me leva a dois pontos adiante. O teste de Bechdel. Aquele desenvolvido pela quadrinista de “Fun Home” que a gente tanto ama. O Buzzfeed colocou que o filme passa amplamente no teste. Saí com a percepção contrária. Daí eu me deparei com este texto aqui, que confirmava minha suspeita

O teste de Bechdel diz que para um filme ser considerado feminista, é necessário termos pelo menos duas personagens mulheres. Que elas dialoguem, tenham nome e papel de destaque na trama e que o assunto não seja sobre homem. Isso acontece no começo do filme, daí Diana sai da ilha e fuén.

E aponto isso porque pra mim o feminismo é uma questão muito importante. Fui salvo pelo feminismo e sou muito grato às feminista que conheci e que continuam me ensinando até hoje. No entanto não consegui ainda escrever uma obra feminista na vida. Minhas peças até flertam com o feminismo, mas não passam no teste, que acho inclusive um desafio muito bom para a criação. No entanto, nada ainda me veio em termos de criação artística que seja protagonizado por uma mulher.

E nisso chegamos ao segundo tópico: a heteronormatividade que o filme meio que sem querer escancara. Estamos falando de Amazonas, afinal de contas. Mulheres crossfiteiras que vivem numa ilha sem homens. Fiquei com tanta coisa para ser absorvida que confesso que este detalhe me escapou. Daí, mais uma vez foi Raíra com seu olhar espetacular para as coisas sutis que apontou. Há alguma coisa entre a tia de Diana e a outra amazona que corre para socorrê-la?

Fiquei pensando na construção dessa heterossexualidade. Que se a Mulher-Maravilha tivesse uma sidekick ao invés de um sidekick o filme talvez “correria o risco” de cair em uma homoafetividade e como esse “papel” de quebrar a barreira contra a homofobia pesaria novamente sobre uma mulher. Sempre elas na vanguarda.

E daí que chegamos no título do post. Outra das minhas indagações para comigo. E se o Batman fosse gay?

Não o gay das paródias que fazem dele com o Robin. Mas sim um herói de primeiro escalão. Um dos mais conhecidos de todos os tempos e por todo o mundo. Já parou pra pensar nisso?

Eu, que amo quadrinhos e sou apaixonado pelo Batman, sempre torci o nariz para a ideia. Um porque né – heteronormatividade à parte - isso nunca esteve nos quadrinhos. Risos.

Tá, tem umas teorias bem toscas sobre um subtexto gay entre eles, mas isso não significa nada. Até porque o Robin era teoricamente adolescente e quão doentio tudo isso seria, para além de né, um cara se vestir de morcego e sair combatendo o crime e tudo mais?

Enfim, falando sério.

Além de nunca ter estado nos quadrinhos - o Batman tem Vicky Vale, Mulher-Maravilha, Mulher-Gato e Thalia Al’Ghul como possibilidades de interesse romântico para um filme - a ideia de um Batman gay sempre veio do mundo acompanhada de um tom de deboche e de escárnio muito grande.

Recentemente li o quadrinho em que Renee Montoya, uma policial maravilhosa do universo Batman, é tirada do armário por um vilão. Há toda uma consequência dramática na trama depois disso. A falta de aceitação por parte dos pais, o bullying homofóbico sofrido até no local de trabalho.

Sei que tem também um arco, não sei em que momento da história da vida, em que Montoya acaba virando parceira da Batwoman, que também é uma personagem do bat-universo, atende pelo nome de Kate Kane (em homenagem ao Bob Kane, criador do Batman himself) é lésbica e ainda não tive a oportunidade de ler um quadrinho.

Parece que os títulos da Batwoman têm saído com um relativo sucesso e especulam que por aqui a Panini publique um encadernado dela. Assim espero.

Há um tempinho postaram em um desses grupos do Facebook a capa do quadrinho da Batwoman falando bem dele. Daí um ser na internet comentou que não curtiu as histórias “principalmente por colocarem a Sra. Kane como homossexual”. Daí vem um iluminado que responde “Pense nela como Bi e segue a vida”.

Tipo sério. A ciência precisa descobrir como se forma o pensamento humano porque eu, sinceramente não entendo essa lógica daí. Mas é ela que torna dificílimo termos um personagem gay como protagonista de um filme de heróis num futuro próximo.

No mais, sobre a heteronormatividade na indústria do consumo nerd, há uma cena que dura segundos de “Batman Vs Superman” em que o Batman/Ben Affleck/Bruce Wayne acorda ao lado de um corpo visivelmente feminino em seu quarto na mansão Wayne.

O curioso é que o filme não explora muito o lado playboy de Bruce, nem mesmo algum tipo de interesse romântico do morcegão. Em um roteiro pra lá de embolado e gigantesco, não há nenhuma menção a quem seria a bonita ali. Um corpo feminino que aparece sem nenhuma consequência dramática apenas para cumprir a função narrativa de marcar o território da heterossexualidade do personagem.

Eu adoraria que o Batman fosse gay, até porque não é muito certo que as questões sobre representatividade e diversidade caiam apenas sobre os ombros da Mulher-Maravilha ou de outras personagens femininas. Seria bom que outros heróis entrassem nesta luta.