sexta-feira, 23 de outubro de 2020

A pizza do Subway é um pedido de socorro

Lá para meados de julho teve um dia em que eu tava com vontade de comer pizza. Não mencionei isso numa conversa, mas ao telefone falamos sobre como fazia tempo que não comíamos no Subway. Primeiro por motivos pandêmicos, segundo porque mesmo antes da pandemia, a franquia de lanchonetes estava fechando algumas de suas unidades que ficavam em nossas rotas.

Pois foi desligar o telefone e acessar o Instagram que lá estava o anúncio. Conhecido pelos seus lanches que tinham todos o mesmo sabor, sempre, o Subway agora tinha pizza. E entregava em casa. Isso era de madrugada.

Não precisou nem de vinte e quatro horas até que alguém no Twitter fizesse o pedido e compartilhasse com o mundo sua experiência. A imagem de uma pizza cubista montada na força do ódio viralizou (risos), gerou uma série de memes e a companhia chegou a pedir desculpa nas redes sociais, dizendo que vai melhorar e tudo o mais.

Esse episódio todo, somado a vivências pelas quais tenho passado e experiências que tenho acompanhado de pessoas próximas, me fez pensar: a pizza do Subway é um pedido de socorro. Não em um sentido individual apenas, ou pelo menos não só.

Muitos dos que não ficaram desempregados nos últimos tempos, viram o rendimento cair. Quem teve a sorte e o privilégio de trabalhar de casa, precisou lidar com o aumento de pressão por produtividade, adaptação a uma rotina de reuniões e vídeo-chamadas exaustivas e a dificuldade em estabelecer o que é hora de trabalho e o que é hora de descanso.

Para quem já estava sem emprego ou em condições de trabalho intermitente, aumenta o nível de preocupação com o futuro. Se já estava difícil, neste cenário de recessão econômica e terra arrasada, o horizonte é de incertezas e desesperança. E embora represente um pequeno alívio, o auxílio emergencial não dá conta de trazer qualquer tranquilidade que seria bem-vinda nestes tempos. Todo mês é um drama sobre a data em que vai cair, se vai cair, e se o PicPay vai comer uma parte.

Neste contexto a pizza do Subway é uma síntese dos tempos em que vivemos e de um processo que vem de diminuição dos direitos trabalhistas e aumento da precarização (uberização) das condições de trabalho.

Junte-se a isso uma série de crises: política, econômica, moral, estética e civilizatória que se arrasta desde um pouco antes do golpe contra a presidenta Dilma, se eleva com a chegada de um grupo de milicianos trogloditas ao governo federal e se aprofunda com a pandemia do novo coronavirus no país.

Desta forma, além de síntese, a pizza do Subway passa a ser também um sintoma das condições em que vivemos e o que ela mostra é que não vamos sair melhores dessa. Ao contrário. Não há um mundo discutindo muito a sério modos de vida que façam sentido; em que a riqueza seja distribuída ao invés de concentrada; em que possamos nos dar ao luxo de trabalhar menos e gozar mais a vida e que o consumo não paute a construção de nossas subjetividades, bem como o patriarcado e o racismo.

O absurdo é elevado dia após dia. As iniciativas que vão na contramão da produção dos discursos hegemônicos não deram conta ainda de decolonizar imaginários em larga escala para conseguir adesão e promover novas utopias. O novo normal é o antigo normal de máscara. O novo normal é o antigo normal piorado.

O Subway passar a fazer pizzas em plena pandemia, na qual o grande ideal era isolamento e distanciamento social, é a prática de uma ideologia que prega a todo fucking instante aqueles velhos chavões de que é preciso se reinventar para sair dessa. Afinal, é preciso inovar, encontrar um diferencial, se destacar em meio à concorrência, não é mesmo?

Nesse mundo lindo das fanfics corporativas ninguém fala que isso se consegue às custas de sangue e suor de um funcionário ou funcionária mal remunerade que se expõe a riscos ao sair de casa para dar conta de fazer algo para o qual não dever ter recebido o mínimo treinamento adequado.

Não é fácil fazer pizza. Na verdade, não é que seja difícil. Eu mesmo me aventurei a fazer pizzas nestes tempos isolado. O difícil é fazer uma pizza gostosa e perfeitamente redonda e bonita. Requer prática, muito provavelmente talento. Não que eu esteja esperando que a pizza do Subway vá ser excepcionalmente gostosa. A crítica aqui é sobre o aumento de intensidade da pressão em alguém que já está em condições por si só estressantes.

Porque num belo dia um CEO tem uma ideia: vamos fazer pizza para superar a crise. E o vamos é repassado pela hierarquia da empresa, para o marketing que cria em isolamento ou semi isolamento as imagens que alimentarão as divulgações nas redes sociais e na mídia, aos donos das franquias, aos gerentes até chegar a pessoa que atendente no balcão e recebe a  informação:

- Amanhã vamos começar a fazer pizza. E você vai ser responsável!
- Mas assim do nada. Como?
- Ordens da chefia. Te vira, pois é assim que a banda toca, e é assim que o mundo gira. Não tá satisfeito, rua! Tem 14 milhões aí querendo ocupar o seu lugar.