sábado, 8 de julho de 2017

E se o Batman fosse gay?

Assisti, como milhares de outras pessoas, “Mulher-Maravilha”.

E incrível que né, é entretenimento e coisa e tal, mas saí da sessão com uma série de questões que tento desenvolver agora, pra ver se aquieta um pouco o turbilhão aqui de dentro.

São tantos os pensamentos e tantas coisas para falar que fica até difícil saber como começar. Então, eu começo pelo fim.

E também aviso para quem quiser ler que este texto contém spoiler.

O primeiro comentário negativo que eu vi sobre o longa  foi o do Marcelo Hessel, no Twitter, criticando a qualidade dos efeitos especiais. Saber disso me fez tremer só de lembrar de “Supergirl”, aquele filme ruim de 1984, muito responsabilizado pelo mito de que filme com heroína não dá certo.

E realmente. Os efeitos especiais na batalha final são de chorar de desgosto. Mas pelo menos, felizmente, o filme não se resume a isso.

Como um todo “Mulher-Maravilha” é muito legal. Inclusive quero rever e quero na minha coleção. O problema é que o diabo mora nos detalhes e acho que nesse sentido o filme peca em muitas coisas.

Pra começar: o amor romântico. Não precisava, mesmo, tentar usar isso pra “sustentar” o roteiro. O boy é bonitinho e tals - aliás, podia ter aparecido a neca -, mas ele ser a chave que libera a força da Mulher-Maravilha é completamente desnecessário.

Raíra apontou que Diana poderia se lembrar da tia, que levou um tiro por ela. Talvez isso não justificasse a defesa da humanidade, do “mundo dos homens”, mas pelo menos seria menos óbvio.

Muito me agrada a sequência de cenas em que ela chega a Londres. Da chegada até a luta na trincheira/povoado ela tem que lidar com uma sucessão de “não podes”. Não pode falar, não pode se vestir daquele jeito, não pode ir ajudar, não pode ir pra guerra, não pode, não pode, não pode.

Ainda assim, acho que faltou empoderar um pouquinho mais a secretária. Só por uma questão de representatividade, que importa sim e muito. Digo isso porque rola uma diversidade entre as Amazonas, mas ela é limitada. Há mulheres negras no filme, mas elas mal falam. E as amazonas são todas atléticas.

A Mulher-Maravilha é sexy lutando em câmera lenta com a bomba explodindo atrás, apesar de o filme não ficar expondo ela de maneira machista, focando em peito, coxa e bundas. Inclusive, o fato de ela ser treinada para ser melhor do que todas as outras Amazonas explicita em muito sua condição de mulher.

Porque ela é inteligente, forte, bonita, inclusive luta e não fica suada, nem despenteada. Acaba a luta e tá lá, princesa, impecável. Nem um pouco cagadinha. É bem a cobrança geral que rola sobre como as mulheres devem agir e se comportar. Ser mãe, profissional, acadêmica e se apresentar sempre impecável. Ser duas vezes melhor que um homem. Afinal, elas estão aqui para embelezar o mundo, não é mesmo?

Mas me alongo e fujo do que queria falar. A participação das mulheres no filme. Quando a Mulher-Maravilha sai de Themyscira o filme se concentra nela e nos rapazes. Assim, de imediato, não há mal nenhum nisso. Mas por se tratar do primeiro filme de herói protagonizado por uma mulher, well. Faltou um pouquinho de ousadia and feminismo aí.

Conheço nada de Mulher-Maravilha, a não ser pelo desenho da Liga da Justiça, aquele que passa(va?) no SBT e no Cartoon Network. De quadrinhos, ainda não tive o prazer de ler nenhum. Então, tá. Steve Trevor é um cara das HQs, mas pensa que seria legal a Mulher-Maravilha ter uma sidekick mulher, ao invés de um grupo de homens atuando no segundo plano.

Até porque – tá, o filme “registra” uma época – quando rola uma cena dos caras conversando, é bem um grupo de homens no whatsapp. “Uma ilha com mulheres como ela e nenhum cara por lá? Preciso conhecer esse lugar!”.

E isso me leva a dois pontos adiante. O teste de Bechdel. Aquele desenvolvido pela quadrinista de “Fun Home” que a gente tanto ama. O Buzzfeed colocou que o filme passa amplamente no teste. Saí com a percepção contrária. Daí eu me deparei com este texto aqui, que confirmava minha suspeita

O teste de Bechdel diz que para um filme ser considerado feminista, é necessário termos pelo menos duas personagens mulheres. Que elas dialoguem, tenham nome e papel de destaque na trama e que o assunto não seja sobre homem. Isso acontece no começo do filme, daí Diana sai da ilha e fuén.

E aponto isso porque pra mim o feminismo é uma questão muito importante. Fui salvo pelo feminismo e sou muito grato às feminista que conheci e que continuam me ensinando até hoje. No entanto não consegui ainda escrever uma obra feminista na vida. Minhas peças até flertam com o feminismo, mas não passam no teste, que acho inclusive um desafio muito bom para a criação. No entanto, nada ainda me veio em termos de criação artística que seja protagonizado por uma mulher.

E nisso chegamos ao segundo tópico: a heteronormatividade que o filme meio que sem querer escancara. Estamos falando de Amazonas, afinal de contas. Mulheres crossfiteiras que vivem numa ilha sem homens. Fiquei com tanta coisa para ser absorvida que confesso que este detalhe me escapou. Daí, mais uma vez foi Raíra com seu olhar espetacular para as coisas sutis que apontou. Há alguma coisa entre a tia de Diana e a outra amazona que corre para socorrê-la?

Fiquei pensando na construção dessa heterossexualidade. Que se a Mulher-Maravilha tivesse uma sidekick ao invés de um sidekick o filme talvez “correria o risco” de cair em uma homoafetividade e como esse “papel” de quebrar a barreira contra a homofobia pesaria novamente sobre uma mulher. Sempre elas na vanguarda.

E daí que chegamos no título do post. Outra das minhas indagações para comigo. E se o Batman fosse gay?

Não o gay das paródias que fazem dele com o Robin. Mas sim um herói de primeiro escalão. Um dos mais conhecidos de todos os tempos e por todo o mundo. Já parou pra pensar nisso?

Eu, que amo quadrinhos e sou apaixonado pelo Batman, sempre torci o nariz para a ideia. Um porque né – heteronormatividade à parte - isso nunca esteve nos quadrinhos. Risos.

Tá, tem umas teorias bem toscas sobre um subtexto gay entre eles, mas isso não significa nada. Até porque o Robin era teoricamente adolescente e quão doentio tudo isso seria, para além de né, um cara se vestir de morcego e sair combatendo o crime e tudo mais?

Enfim, falando sério.

Além de nunca ter estado nos quadrinhos - o Batman tem Vicky Vale, Mulher-Maravilha, Mulher-Gato e Thalia Al’Ghul como possibilidades de interesse romântico para um filme - a ideia de um Batman gay sempre veio do mundo acompanhada de um tom de deboche e de escárnio muito grande.

Recentemente li o quadrinho em que Renee Montoya, uma policial maravilhosa do universo Batman, é tirada do armário por um vilão. Há toda uma consequência dramática na trama depois disso. A falta de aceitação por parte dos pais, o bullying homofóbico sofrido até no local de trabalho.

Sei que tem também um arco, não sei em que momento da história da vida, em que Montoya acaba virando parceira da Batwoman, que também é uma personagem do bat-universo, atende pelo nome de Kate Kane (em homenagem ao Bob Kane, criador do Batman himself) é lésbica e ainda não tive a oportunidade de ler um quadrinho.

Parece que os títulos da Batwoman têm saído com um relativo sucesso e especulam que por aqui a Panini publique um encadernado dela. Assim espero.

Há um tempinho postaram em um desses grupos do Facebook a capa do quadrinho da Batwoman falando bem dele. Daí um ser na internet comentou que não curtiu as histórias “principalmente por colocarem a Sra. Kane como homossexual”. Daí vem um iluminado que responde “Pense nela como Bi e segue a vida”.

Tipo sério. A ciência precisa descobrir como se forma o pensamento humano porque eu, sinceramente não entendo essa lógica daí. Mas é ela que torna dificílimo termos um personagem gay como protagonista de um filme de heróis num futuro próximo.

No mais, sobre a heteronormatividade na indústria do consumo nerd, há uma cena que dura segundos de “Batman Vs Superman” em que o Batman/Ben Affleck/Bruce Wayne acorda ao lado de um corpo visivelmente feminino em seu quarto na mansão Wayne.

O curioso é que o filme não explora muito o lado playboy de Bruce, nem mesmo algum tipo de interesse romântico do morcegão. Em um roteiro pra lá de embolado e gigantesco, não há nenhuma menção a quem seria a bonita ali. Um corpo feminino que aparece sem nenhuma consequência dramática apenas para cumprir a função narrativa de marcar o território da heterossexualidade do personagem.

Eu adoraria que o Batman fosse gay, até porque não é muito certo que as questões sobre representatividade e diversidade caiam apenas sobre os ombros da Mulher-Maravilha ou de outras personagens femininas. Seria bom que outros heróis entrassem nesta luta.

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