sexta-feira, 26 de junho de 2020

Sexta-feira psicológica

Ainda que os dias estejam todos meio iguais, é na sexta-feira em que sinto mais o corpo doer.

Nessa espiral de sentimentos que virou este período isolado, teimo em não perder essa sensação de sexta-feira. De chegar ao ápice da semana. De só querer dormir até mais tarde no dia seguinte.

Não que os finais de semana sejam de descanso. Pelo contrário. Tem sido raro o final de semana em que é possível fazer o que quero, sem culpa, ressentimentos ou algo do tipo.

Nem jornal eu tô lendo mais. Perdi a mão, tomado pela escrita, tradução e revisão de um edital, além de assistir ao primeiro corte e as reuniões de edição e a entrada no segundo corte e um furacão que tomou minha casa esses dias.

Abandonei também outras leituras que em breve pretendo retomar. Hoje eu só queria estar livre mais cedo, mas ainda tem aula de alemão onde meu cérebro frita. Não tô reclamando. Só constatando.

Sei que é privilégio estudar online na quarentena, mas no momento meus privilégios esbarram no desemprego. E olhando para trás o que temos é uma vida de sucessivos subempregos, alguns com mais felicidades que outros, é bem verdade, mas que não somam dez anos de carteira de trabalho assinada.

Não que esse seja o foco ou o objetivo de uma vida, mas dá muito o que se pensar, sobre de antemão falar de condições alheias. Só eu sei tudo o que calo.

Sempre detestei isso, dessa coisa de esperar ansiosamente a sexta-feira e odiar a segunda-feira. É um modo de vida muito triste, já que a gente vive todos os dias e não só aos finais de semana. 

O problema, um dos problemas, dessa quarentena, é saber como fazer a cabeça dar uma trégua. Neste cenário de terra arrasada, quem conseguir, que se dê por satisfeito.

Ainda bem que amanhã é sábado.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Sobre lendas e feijões

Tenho um problema com sal. Receoso de salgar demais as comidas eu boto muito pouco sal nas coisas quando cozinho. Em algumas receitas nem coloco, tipo em strogonoff, por exemplo, porque já tem o sódio do catchup e da mostarda, ou quando uso Sazon e lembro do meme que a Adelita me mandou.

Preciso ousar mais no uso do sal, arriscar, experimentar novas medidas. Trago esta espécie de introdução para contar aqui que no último sábado eu fiz feijão. Cozinhei feijão preto como se come no Rio de Janeiro com a ideia de me transportar em sensação para Ipanema, para o Beach Sucos, o melhor prato feito do mundo, não melhor do que o quilo da Regina, no Arouche.

Acertei no alho, na quantidade da água para o caldo, mas errei no sal. Enquanto o feijão cozinhava, vi na timeline que mais pessoas tinham cozinhado feijão. A Luiza falou que as estrelas do feijão estavam alinhadas. Deviam estar. Paralelamente, é comum os relatos sobre o medo da panela de pressão explodir, além da recomendação da panela de pressão elétrica.

A panela de pressão tem um segredo simples que é não encher demais, nem de menos. E não deixar a água secar. Tirando isso, fiquei pensando muito neste medo da panela de pressão, que como todos os medos me foi ensinado. No meu caso, herdei da minha mãe, que não deixava eu chegar perto do fogão, achando que eu colocaria fogo na casa, como um boneco do The Sims.

O melhor PF do mundo, na esquina da Farme de Amoedo
com a Visconde de Pirajá em Ipanema


Medo de panela de pressão passou a fazer pouco sentido para mim quando comecei a utilizá-la com mais frequência. Ainda que eu não faça muito feijão ou muitas coisas envolvendo esta panela. A última vez tinha sido aquele macarrão cheio das gororobas (só que sem bacon) que ficou uma delícia, e antes carne louca.

De qualquer forma, fiquei pensando nessas lendas urbanas que nos formaram. A kombi que sequestra crianças, a loira do banheiro, primeiro tirar a Dilma pra depois tirar o resto. É muito pouco comum panelas de pressão explodirem. Não lembro de casos, relatos, reportagens sobre isso. Por que esse medo tão entremunhado na gente então?

Da minha parte eu sei que não fui criado para desenvolver autonomia, então me esforço para ir contra o que tentaram fazer de mim e fazer de mim o que eu quiser. É custoso e exaustivo. Não tem glória nenhuma aqui. Se quiser uma história de sucesso você está no blog errado.

Em todo caso não deixa de ser curioso notar como uma geração inteira, ou mais de uma, é refém do mesmo mito. A sensação que dá é que não fomos criados para lidar com o mundo, ou sequer com nós mesmos, no plano individual.

Fazia tempo que eu não comia ou fazia feijão. De qualquer forma, devo ficar mais um tempo sem feijão de novo. Mesmo deixando de molho e remolho, desta vez o feijão me deu muitos gases.


O restaurante Regina, no Arouche. Saudades do tempero desta comida



sábado, 13 de junho de 2020

Postei uma foto pelado no instagram

Postei uma foto pelado no instagram com um emoji de berinjela cobrindo o meu pau.

Foi a primeira foto do tipo que postei na internet. Sempre tive problemas com minha autoimagem. Quem me conhece para além das paragens das redes sociais sabe que tenho questões em relação a autoestima, que é baixa.

Há um tempo venho tentando parar com tantas piadas autodepreciativas sobre mim. É um exercício gigante de quebra de costume e acho que até consegui reduzir bem o número de piadinhas. Mas tirando os chistes, ainda sobra um olhar bem pouco generoso que tenho sobre mim.

É uma sensação não ligada a aparência física exatamente. É bem mais profundo do que isso. Interno. No sentido de ter que fazer um esforço grande pra tirar um chicote da mão do superego e deixar feridas arderem para que talvez assim possam cicatrizar.

Paralelamente eu sigo muitos artistas, ilustradores e desenhistas que tem no nu a expressão de sua arte e eu gosto muito desses trabalhos de nudez artística. Além de amigos e conhecidos que vivem sendo fotografados pelados.

Por meio de textos eu sempre acho que me exponho demais ao mesmo tempo que acho que tenho algum domínio (ou ilusão de domínio) sobre o que deixo explícito aqui e o que fica escondido ou nas entrelinhas. Além do que calo para evitar maiores dores de cabeça.

Sempre quis posar pelado para esses artistas que desenham nu. Tenho pensado em como me desnudar quando escrevo também. O Hugo Guimarães, por exemplo, tem uma literatura mais visceral do que as minhas aventuras literárias e vez ou outra publica fotos de si mesmo pelado.

Sem falar no Pornceptual, um site que amo muito, com muitas fotos de pelado artístico. Veja, eu não tenho uma pasta de memes no computador, mas tenho uma pastinha com algumas de melhores do pornceptual. Antigamente, numa era pré internet banda larga, era muito difícil esperar que a uma foto carregasse no computador.

Imbuído destes pensamentos, certo dia depois de sair do banho tirei uma foto minha pelado em frente ao espelho do guarda-roupa. Resolvi postar no instagram para ver no que ia dar. Pensei se um textão mal formulado como este acompanharia a publicação. Desisti da ideia. O tempo para pensar no que escrever somado do tempo da escrita em si certamente me fariam desobedecer ao impulso de dividir minha peladeza com o mundo digital.

Não sei tirar selfies. Me sinto patético e desconfortável. É bem difícil me achar bonito nelas. Minha linha editorial no aplicativo tem mais a ver com minha relação com a cidade. E no momento estamos sem poder desbravá-la.

A minha foto teve 55 likes e 11 comentários. Incluindo aí o da minha mãe, que depois fez um comentário no whatsapp: "vi sua foto pelado, kkkkkk". Um sucesso absoluto. Talvez vá para o bestnine de 2020 quando este ano enfim acabar. Minha média de likes fica em torno de 20, mais ou menos. Depende do dia, da foto, do algoritmo, do horário em que ela é publicada.

Antes de postar a foto eu tinha 543 seguidores. Depois de tê-la publicado, esta quantidade caiu para 538. No mesmo dia uma pessoa nova passou a me seguir. Tinha a sensação de que quase todos os comentários da foto eram de amigas mulheres, mas fui conferir e o número está até equilibrado em 6 mulheres (heterossexuais) e 5 homens (3 gays e 2 héteros).

Meu público sempre foi majoritariamente feminino. Homens não costumam ligar para a minha existência.

Pelo tom dos comentários a foto surpreendeu as pessoas. Diana achou ousada. Raíra pediu a versão sem censura. Recebi uma cantada mais abusada pedindo a foto sem a berinjela na DM, mas desconversei. Fiquei pensando nisso. Nessa nossa má relação social com o corpo humano nu.

Esses dias descobri a Falo Magazine, uma publicação justamente sobre nudez masculina. Achei incrível. Penso em criar algo para submeter à revista quando abrirem nova chamada. Quem sabe vocês não se surpreendam novamente com mais fotos minhas pelado por aí?


Além de postar a foto no instagram, pensei também em postá-la aqui, sem censura, para os visitantes ocasionais
Pensei também em postar aqui,
sem censura, para leitores e leitoras ocasionais


sexta-feira, 12 de junho de 2020

Pedras I

Sabe quando você conhece uma pessoa nova e vocês estão se apresentando? Aquele momento em que o outro cara fala sem parar, mas não porque fala demais, e sim porque gosta de falar (não conheço viado que não goste de falar) e você não quer interromper, porque não quer ser mal educado ou só quer ouvir e poderia fazer isso por horas até que.

Até que surge um pequeno e levemente pavoroso silêncio porque você se perdeu nos pensamentos enquanto ouvia o que ele tinha a dizer sobre ele mesmo. Você analisava o que ele estava dizendo e como estava dizendo e seu cérebro projetava a sinastria e você se encantava com o sorriso dele, o sotaque, a respiração, o corpo, as costas das mãos, a bunda, a mala, as pernas e as orelhas e aí.

E aí ele pede para você falar de você. Mas você tem pânico de falar de você, porque você nem sabe falar sobre você direito, isso não é algo que você faz com frequência, você acha esse tipo de situação sempre embaraçosa, você não está acostumado a isso, ninguém nunca pede que você fale de você (ainda bem) e aí surgem dúvidas do tipo como começar ou por onde?, qual versão seria a melhor?, qual delas causaria mais impacto?, a mais boa impressão? A falta de jeito e a falta de prática alimentam a insegurança que cresce, porque este é um momento importante, determinante até, de frio na barriga, de segurar ou perder a atenção do seu interlocutor porque.

Porque aqui você se depara diante de uma bifurcação em que você tem que performar muito bem e o sucesso fará toda a diferença entre a permanência e o sumiço, entre uma história de amor com final de novela ou a amargura da solidão eterna ao qual você está condenado como o Sísifo que sempre que chega com a pedra no topo da montanha vê com desgosto a pedra rolar montanha abaixo e não há nada que se possa fazer para quebrar esse ciclo a não ser subir com a pedra no dia seguinte porque uma condenação desse tipo é como um ciclo que não se consegue quebrar e então.

E então por causa de tudo isso você diz que não sabe muito bem o que falar, que ele pode perguntar o que quer saber, porque só o fato de você estar ali já quer dizer que você está entregue e que pode se entregar muito mais, mas ele não sabe disso, porque você não disse daí.

Daí que depois de alguns dias ele some.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Processo de transformação de um texto

Fui um dos 12.982 inscritos no edital de emergência do Itaú Cultural e seguindo um roteiro já velho conhecido meu, fui um dos 12.782 que não foram contemplados pela premiação.

Como eu sabia que não ganhar era uma possibilidade, comprei a ideia da Raíra de que se não fosse escolhido, teria pelo menos um post novo para este blog.

Pois vim aqui contar um pouquinho como foi o meu processo. Fiquei sabendo do edital no dia que ele foi lançado, mas deixei para me inscrever no último dia. Sem problemas. Eu estava ruminando o texto em segundo plano na cabeça, então quando sentei para escrever o texto simplesmente saiu.

Quer dizer, mais ou menos.

Confesso que eu não sabia muito bem sobre o que iria escrever, ou como, mas quando peguei meu caderno, uma caneta e sentei para escrever, o negócio fluiu. Até demais. Eu tenho um pouco isso. Esse gosto, hábito, mania, tesão de escrever à mão. Era uma prática mais comum em tempos pré-pandêmicos, durante intervalos, uma espera em mesa de bar, momentos entre compromissos, no Sesc, na rua, na praça de alimentação do shopping depois do almoço.

Então eu escrevi uma versão de um texto, que depois digitei. Considero o digitar uma espécie de reescrita onde geralmente reelaboro o que não ficou tão bom no papel. O resultado tomou a forma que reproduzo abaixo:


"Então, após uma sucessão infinita de infinitos hojes, voltar. Ou seria “seguir” a palavra mais adequada?

Repetir, depois que tinha parecido a própria eternidade, aquele trajeto de outrora.

Outrora. Gostava daquela palavra que remetia a outros tempos, tempos estes anteriores àquele em que o mundo tinha virado de cabeça para baixo.

Já há muito tempo que esperava aquela ligação. Ei, tu pode vir hoje? Tá livre? Tô. Ok. Pra entrar às duas, tá? Beleza. Obrigado de chamar.

E então lidar de novo com aquela euforia que vai do coração ao queixo, tomar um banho, preparar alguma coisinha para comer na pausa. Mandar uma mensagem no Whatsapp para as amigas, com quem compartilha detalhes da rotina, contando que foi chamado para um dia de frila, “hoje tem evento”, “graças a deus”, “tô cansado, mas precisando do dinheiro”.

E voltar aos preparativos. Colocar a camiseta e a calça jeans, mesmo com este calor, mesmo depois de todo o vírus, porque trabalhar de bermuda não pega muito bem.

Tomar o metrô e descobrir naquele percurso um novo sabor, o da retomada de coisas que mudam permanecendo as mesmas e das coisas que permanecem iguais mas que se transformaram de um jeito difícil de explicar, captar ou apreender muito bem como.

Durante o trajeto pensa o ar, como se este estivesse mais denso e era isso que tornava os cumprimentos tão desajeitados. Como se agora tivesse que aprender uma nova língua, comunicar os afetos de outro jeito, inventar uma nova gramática, reaprender o que fazer com as mãos, o quanto abrir os braços, qual a velocidade ideal de um aceno de mão de distante. Porque se for muito efusivo pode demonstrar muita afetação e o que os outros vão pensar? Uma alternativa melhor seria aquele toque de cotovelos que surgiu antes de todos os eventos serem suspensos e havia especialistas dizendo na televisão que o ideal eram as palmas das mãos coladas em posição de Namastê ou a leve reverência curvando o tronco para a frente como fazem no Japão.

Uma bobagem essas novas etiquetas quando o metrô continua cheio do mesmo jeito."

Pois bem. O edital pedia 800 caracteres, contando espaços, que é praticamente nada. A primeira versão tinha 2.035. Para um texto deixado para a última hora, era relativamente bastante.

Fiquei na dúvida entre jogar fora e fazer outro ou trabalhar nele mesmo. Optei pela segunda alternativa. Então começou a operação edição. Cortes. Como sintetizar o texto e as ideias e manter uma essência?

Como abrir mão de frases ou trechos que me agradavam bastante? Passar a tesoura, praticar o desapego e ainda assim tentar chegar a um resultado minimamente satisfatório?
 
Fui ouvir meus áudios de Whatsapp e ler os comentários durante este processo de enxugamento. É um corta daqui, corta dali. Entendi que estava diante de um exercício de concisão. Foi um desafio fazer. Fui derrubando parágrafos e eliminando artigos. O primeiro corte significativo cheguei a 1078 caracteres. Então cheguei a 974. Depois 907, 871. Nessa hora eu fiquei pirando. Até então achava que o mais difícil seria escrever.

Cheguei a 802 caracteres. Dois acima do que o concurso exigia. Ainda precisava fazer caber. 791. Parecia ok. Duas pequenas modificações que resultaram em 796 caracteres. Inclui então um “as” em “as palmas das mãos” e daí cheguei aos 799 caracteres que compartilho com vocês a seguir:

"Após infinitos hojes, voltar. Repetir, depois do que tinha parecido a eternidade, o trajeto de outrora.

Já há muito que esperava aquela ligação. Tu pode vir hoje? Posso. Pra entrar às duas, tá? Beleza. Então lidar de novo com aquela euforia boa de correr pra dar tempo. Tomar banho, cozinhar. Vestir a calça, mesmo com o calor, mesmo depois do vírus. Bermuda não pega bem.

Notar no caminho o ar mais denso e perceber como isso fazia os cumprimentos tão desajeitados. Era preciso outro jeito de se comunicar, descobrir o que fazer com as mãos, o quanto abrir os braços, a velocidade de um aceno. Alternativa seria o toque de cotovelos e dizem na TV que ideal eram as palmas das mãos coladas em posição de Namastê. Ou a reverência que fazem no Japão.

Etiquetas bestas. O metrô continua cheio como antes."


Ainda tive que fazer uma minibio onde eu dizia que sou de capricórnio com ascendente em áries e lua em aquário antes finalizar o envio.

Agora eu quero ler outros textos do concurso. Quer tenham sido contemplados, quer não.