sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Foco

Bom dia! (Espera a plateia responder). Primeiramente eu gostaria muito de agradecer a oportunidade de estar aqui falando com vocês. Muito obrigado mesmo pelo convite. Vocês não tem ideia do quanto eu fico feliz de poder compartilhar aqui um pouquinho do que eu sei.

A segunda coisa que gostaria de falar é que eu não entendi muito bem porque é que eu fui chamado pra vir aqui dar o meu depoimento. Quando a produção me ligou para me convidar eu sinceramente achei que fosse trote e desliguei na cara da pessoa. Mas a Mariana foi tão insistente nas ligações que eu finalmente acreditei que ela estava mesmo me convidando para vir aqui falar com vocês.

Mas por que é que eu estou falando isso mesmo? (Alguém sopra alguma coisa da plateia) Ah, sim. É verdade. Eu achei que fosse trote a ligação porque eu vim aqui para falar um pouco sobre esse assunto. Daí eu fiquei me perguntando. Deve ser algum tipo de pegadinha alguém querer que eu, justamente eu, fale sobre isso.

Por que é pegadinha?, vocês devem estar se perguntando aí agora neste momento.

Daí eu respondo que desde que eu me conheço por gente, todas as minhas lembranças são marcadas por exemplos claríssimos de falta de atenção. Na escola, por exemplo, eu sempre era a criança que pedia para a tia não apagar a lousa porque ainda não tinha dado tempo de copiar tudo. A tia esperava? Às vezes sim, às vezes não. Na maioria das vezes não esperava. Então. É que eu joguei tudo fora meus cadernos e materiais escolares dessa época da minha vida, mas se fosse possível voltar no tempo, vocês iam ver. Uma pena que não é possível voltar no tempo. Tanta coisa para a ciência descobrir ainda. Voltar no tempo só por meio da memória, da literatura, da ficção. Mas a gente torce para que o progresso científico um dia nos permita voltar atrás.

Mas por que é que eu estou falando isso mesmo? (Mais um sopro da plateia) E onde eu tava? Ah, sim. É verdade. Meus cadernos escolares na infância. Eu era a criança que sempre demorava mais para copiar o conteúdo da lousa. Daí na maioria das vezes a professora apagava tudo o que estava escrito para continuar escrevendo e eu ficava com buracos gigantescos no meu caderno que era do conteúdo que eu não tinha dado conta de copiar.

E esses buracos eram gigantes porque tinha outra coisa que eu não era bom não que era calcular quanto de espaço no meu caderno eu ia precisar para copiar um parágrafo que estava na lousa. Porque na lousa ficava ali, bonitinho o parágrafo de quatro linhas. No meu caderno ele ocupava a folha inteira. Então era uma coisa assim, cheia de páginas em branco, uns espaços que iam ficando, umas lacunas que eu só conseguia preencher quando pegava emprestado os cadernos dos colegas de sala. Eram bons tempos.

Dessa época também eu lembro que quando eu era criança eu levava a tarde toda para fazer a lição de casa. De um lado eu tinha mesmo muita lição, mas de outro eu enrolava. Enrolava muito. Enrolava demais. Tava lá aprendendo uma tabuada. De repente alguma vizinha ligava um rádio eu já embarcava naqueles pagodes, muito Raça Negra, Art Popular, Sampacrew, Molejo, Exaltasamba. E eu ficava lá, no mundo encantado das relações que terminavam e não davam certo. Dos amores que se iam.

Tinha outra coisa. Às vezes eu fazia a lição de casa de frente para a TV. Aí era aquela coisa, não fazia direito nenhuma coisa nem outra. Como você vai adivinhar o valor do quadradinho assistindo Chaves? E os filmes do Cinema em Casa. Tinha vezes que eram melhores que o da Sessão da Tarde. Por falar nisso, lembrei do Resgate de Jéssica, nunca mais eu vi esse filme. Preciso procurar para ver se encontro. Mas eu dizia. Nossa. Lembrei de mais um. Lambada, a Dança Proibida. Um filme que viria bem a calhar nesses tempos de queimada na amazônia. Não, porque vocês não sabem que o plot desse filme é o de uma indigena que vai para os Estado Unidos para uma competição de lambada para chamar atenção para a causa da preservação ambiental. É simplesmente fantástico e genial.

Mas eu dizia o que mesmo? Ah, sim. Dos deveres. Das lições de matemática. Por que essa obsessão de saber o valor do quadrado? No começo é o quadrado, depois é o X, mas o X é quando você é maior, naquela época ainda eram quadrados, bolinhas e triângulos. Muito mais lúdicos, mas também porque a gente não tinha entrado ainda no campo da geometria. Raio, hipotenusa, catetos, o raio que o parta isso sim.

Eu não devia estar falando isso assim pra vocês, porque vocês são jovens. A matemática ainda faz muito parte da vida de vocês. Tem muita fórmula de Baskhara pra vocês fazerem ainda. Muita equação de segundo grau. Mas tá vendo me perdi de novo. Tava falando isso tudo daqui, por que mesmo? Ah, sim. Lição de casa. De como eu me distraia. Meu jeito de fazer a lição de casa e por isso eu me distraia tanto e nunca terminava a lição cedo é que eu fazia o dever com uns bonecos do lado. Naquelas épocas eu gostava muito de brincar de bonequinho, também porque eu era menino e não podia brincar de Barbie, mas ainda assim eu tinha uma Xena, uma Batgirl que quebrava o galho, mas meus bonequinhos não tinham isso de gênero muito bem definido não e já naquelas épocas rolava umas pegações, umas relações homoafetivas entre eles.

E isso me lembrou também de uma paixões que eu tinha, umas paixões platônicas pelo menino mais popular da sala, pelos garotos mais velhos da escola, pelo Pierre Bittencourt em Chiquititas. Eu ficava beijando a parede, fingindo que tava beijando meus namoradinhos imaginários e por isso a lição ficava lá a ser feita até às nove, dez horas da noite quando surgia um gás ou minha mãe dava um chilique. Mas eu lembro dessa época que eu perdi a estreia de Beakman, porque não tinha acabado a lição antes de o programa começar. Liguei a TV antes de o programa acabar a ponto de ver os pinguins se despedindo do programa.

Mas o que eu ia dizer mesmo, puts, jura que eu levei esse tempo todo pra falar?, nossa, nem parece. Tá vendo, não podem me dar o microfone na mão que eu desato a falar. (Ri de algum gracejo da plateia) É. Tá vendo. É isso mesmo. Eu tava só começando, uma pena que já acabou. Mas tudo bem. Agora só pra concluir. É que eu comecei a contar essas histórias pra falar que não entendi muito bem de ter sido chamado para participar desse evento e falar justamente sobre foco.

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